O entendimento de um mal-entendido
O rapaz tentou abrir a porta do quarto dos pais, para perguntar como fazer pipocas, mas estava trancada. O pai disse “agora não, eu e a tua mãe estamos a conversar». As vozes estavam um pouco alteradas e ele deixou-se ficar por ali para ver se conseguia perceber alguma coisa.
Aproximou-se da porta do quarto dos pais a irmã mais nova, que vinha a chamar pela mãe, e o rapaz fez-lhe sinal com o dedo nos lábios para que não fizesse barulho. A menina ali ficou também.
Não estavam a gritar mas via-se bem que discutiam. O pai dizia à mãe que ela estava sempre cansada para ir com ele nas suas caminhadas. A mãe acusava o pai de a deixar tantas vezes em casa por causa dessas mesmas caminhadas e que, se não ia, era por estar sobrecarregada de trabalho. O pai acusava a mãe de gastar demasiado dinheiro em roupas e sapatos, a mãe defendia-se: ela também tinha um salário, tinha o direito de se mimar com pequenos prazeres e que ele passava a vida a bisbilhotar os gastos dela.
Agora, estava a mãe a dizer ao pai que, se queria passar a vida no meio dos montes em vez de estar mais com a família, que podia arranjar uma tenda e ir acampar para onde quisesse. O pai dizia-lhe que ela estava a exagerar, ele só precisava arejar de vez em quando. A mãe respondeu que qualquer dia ela é que ia arejar para uma casa só sua, que precisava de descansar a cabeça.
Lágrimas gordas rolaram pelo rosto da menina. O irmão deu-lhe a mão e levou-a para o quarto dela, fechando a porta devagarinho. O rapaz tentava acalmar a irmã: “eles só estão com conversa de chacha, daqui a pouco já lhes passa a neura”. Mas ela não se deixava convencer, via como o irmão tinha roído as unhas e arrancado as cutículas com os dentes até fazer sangue.
– Será que a mãe está a mandar o pai embora? – perguntou a pequena a tentar controlar os soluços.
– Deve ser só uma forma de falar… de qualquer maneira ele não nos deixaria.
– E se for ela que se quer ir embora?
– Hummm, não acredito que ela fizesse isso.
O rapaz tentava esconder o seu nervosismo. Tinha as palmas das mãos a suar e estava a esfregá-las nas calças, um gesto que a menina conhecia bem. Por isso, não se deu por convencida e, não conseguindo controlar-se mais, começou a chorar num pranto de partir o coração.
– Cala-te lá, olha que eles vão ouvir-te e ficam a saber que estivemos a escutá-los!
A menina queria era ser consolada pelo irmão e, cada vez mais nervosa, tremia toda no seu desespero.
A porta dos pais abriu-se e vieram ambos ver o que se passava.
– Porque estás a chorar assim, filha? Magoaste-te? – perguntou a mãe aflita.
A menina queria dizer-lhe que tinham-lhe magoado o coração, mas ainda não sabia explicar-se dessa forma.
O pai reparou no nervosismo do filho e confrontou-o: – fizeste alguma coisa à tua irmã para ela ficar tão triste?
O rapaz explodiu: – vocês é que falam em separar-se e depois sou eu que tenho a culpa? – apercebeu-se tarde de que se denunciara e à sua irmã.
Os pais queriam ripostar por terem ficado a escutar a sua conversa, mas o momento era para esclarecer e não para acusar. Afinal, não deviam ter discutido quando os filhos andavam por ali tão perto. Sentaram-se à frente deles e a mãe começou a falar.
– Está bem, já deu para perceber que estiveram atrás da porta a ouvir-nos e tiraram conclusões erradas. Todos os casais têm bons e maus momentos, não precisam ficar com medo, contem-nos lá o que estão a pensar.
Os irmãos entre-olharam-se. Foi o rapaz que tentou explicar o que tinham ouvido e que estavam a perguntar-se se algum deles queria sair de casa.
– Sair de casa?! – exclamaram os pais quase ao mesmo tempo.
– Mas… então… tu disseste ao pai para… para… – a menina estava a ter dificuldade em continuar. O irmão deu-lhe uma ajuda: – …para arranjar uma tenda… ou que ias tu para uma casa só tua…
– Acalmem-se lá, eu e a vossa mãe estávamos a discordar nalgumas coisas e disparatamos um bocado. Já passou, não ouviram o resto da conversa, por isso ficaram sem saber que combinámos algumas coisas para estarmos mais tempo juntos, para que cada um de nós possa fazer um pouco do que gosta e ajudarmo-nos de modo que ninguém fique demasiado sobrecarregado. Então, meus meninos, vocês também entram na ajuda! Cada um de vocês vai ficar responsável por preparar o seu pequeno-almoço, arrumar o próprio quarto e…
Os filhos nem queriam saber do resto. Atiraram-se ao pescoço dos pais, já contentes, o mais importante já sabiam.
Se a ajuda deles durou muito tempo, isso já é outra história!
Sandra Estêvão Rodrigues